Efeméride da ilusão.


Eis aqui o Natal.
Eis aqui o irracional
De uma data tão especial.
Eis aqui o sentimento
Em forma de capital.
Eis a hipocrisia,
A demagogia,
As palavras pronunciadas com heresia.

Eis a efeméride da ilusão.
Seja você cristão ou não.
Eis o profano pronunciando votos de felicidades.
Eis o plebeu em forma de burguês
Vivendo sonhos de insensatez
Graças a um salário aditivado
Que recebera no fim mês.
Eis o ateu falando bem de Deus.
Eis o cristão se embriagando
Em nome desse mesmo Deus.

Eis os que mal se falam
Mas agora se abraçam e se confraternizam
Celebrando a natalina falsidade.

Eis os religiosos mundanos
Que remetem-se a atos insanos
De um natal profano.

Eis a felicidade da criança,
Mesmo que ilusória,
Ardilosa e fantasiosa.

Ao menos isso!
Mas será só isso?

Eis de fato a redenção.
O momento é mágico
Mas a real magia se perde
Em presentes sem expressão
Laçados a enganação.

O ator principal
Está travestido de vermelho
Enquanto o aniversariante está de escanteio.
Creio eu, nada satisfeito
Com a festa que armaram pra ele.

BrunoricO.

Apenas introspecções.

Eis me aqui
Inoportuno comigo mesmo.
Escrevendo a esmo
Palavras sem forma
Que se formam diante da retina
Desgastada pela labuta do dia-a-dia.

Eis me aqui esperando o inesperado.
Tentando utopicamente mudar o imutável.

Nos sonhos que sonho em pé
Saboreio o veneno da ilusão.
Nos sonhos que sonho deitado
Saboreio o veneno da incompreensão.
Quem vai entender o que sonhei dormindo?
Quem vai se iludir com as idéias
Que sonhei acordado?

Prefiro pensar que minhas idéias
Não são para esse mundo.
Ou melhor,
Prefiro pensar que minhas idéias
Não são dignas desse mundo.

Minha mente ferve
Diante da frieza humana.
Em contrapartida,
Minha alma congela diante
Da febre do ego.
Febre que assola mentes peregrinas
Que caminham diante de cubos
Coloridos de telas planas e sons estéreos.
Pobres acéfalos da tecnologia!

Um dia a bomba vai explodir
E todos irão deixar de existir.
Um dia os simpáticos
Não mais precisarão fazer média para viver.
Um dia toda a dor terá fim.
Um dia toda palavra será ouvida e sentida.
Um dia o dia terá fim e a noite será eterna.

Loucuras?
Não!
Apenas introspecções.


BrunoricO.

Baú de criança.


Eis a solução para minha inquietante aflição:
Abrirei meu baú de estimação.

Quando criança o guardei
Com ternura, prometi somente
Abri-lo quando fosse um grande homem
Tomado por bravura.
Confesso que não sou o herói
Que esperava ser quando não tinha herói algum,
Hoje sou apenas mais um;
Um ser com medo e cheio de segredos.

Em meu pequeno baú
Guardei meus grandes pesadelos;
Só os guardei porque não queria
Carregá-los comigo,
Mas nem todos couberam no fundo,
Alguns insistiram em me acompanhar pelo mundo
E sem ter onde guardá-los
Convivi com eles, e por eles mudei o meu rumo.

Hoje vejo que me tornei um medroso.
Cresci e virei moço,
Mas em meu rosto,
Já calejado pelo tempo,
Só carrego desgosto.

Antes não tivesse criado tal baú.
Antes não tivesse guardado
Meus medos em uma caixa de madeira.
Antes tivesse enfrentado todas essas besteiras.

Eu sei que nunca é tarde para se encorajar,
Mas também nunca é cedo para se perder o medo.

Irei abrir de uma vez por todas
O meu baú de criança,
Só assim serei de uma vez por todas
Livre das minhas velhas e impiedosas lembranças.

Afinal, pra que guardar o que não presta?

BrunoricO.

Sapiência infantil.

Ao cair ele se levantou.
Pobre criança!
Fora ensinado a cair e levantar-se,
E com humildade aprendera a lição.

O tempo passou...

E ao cair ele ficou no chão.
Pobre adulto!
Fora ensinado a cair e levantar-se,
Mas perdera a humildade
E esquecera a lição.

BrunoricO.

Conselhos de um eremita.


Não dependas
Da junção para
Completar o uno.
Seja completo em si
E para si.
Não espere complementos externos,
Para completar o seu interno ser.

Não sinta falta das pessoas
Que não irá conhecer.
Sinta-se preenchido por se conhecer
E lisonjeado por em equilíbrio viver.

Desprenda-se do exterior.
Quem muito varre do lado de fora
Esquece-se do lado de dentro
E na imundice padece.

Pegue para si o que de fato necessite.
Não se apegue ao
Material terreno
Que não possuir sucursal divina.

Você é o elo
Entre os seus mundos.
Só você possui a chave dos seus medos,
Desejos, aflições e inquietações.
Só você possui o poder
De ponderar-se consigo mesmo.
E ninguém poderá se apoderar
De seus poderes
Enquanto no eremitério viver.
Ninguém roubará
Seus sonhos na solidão.

Se quiseres viver a somar
Divida-se em dois
E terás um em um.
Terás a plena harmonia
No ser e no ter,
E jamais dependerá
Da incerteza de um outro ser
Para a felicidade conhecer.

Se quiseres viver a dividir
Ganhe o mundo
E nele faça morada.
Pois o mundo o usurpará por completo,
E em mil pedaços lhe dividirá.
E desses mil nenhum será seu.


BrunoricO.

Pedras de sal.


Caminho pelas pedras de sal
Que me levam rumo ao gigante
Verde deslumbrante
Que se quebra em ondas quando
O limite de seu bailado chega ao fim.

No chão de salinas,
Rodamoinhos formam
A valsa das águas
Que faz dançar involuntariamente
O corpo que antes sequer sorria.

Ao deleitar a imensidão do mar
Deito sobre as pedras de sal
E viajo como criança,
E sonho sonhos de esperança
Em pensamentos coloridos,
Que se distanciam das desventuras
E da falta de cor que estão a assolar
Meus dias sem vida.


BrunoricO.

Meu jardim.


Regarei meu jardim
Para ter flores pela manhã,
Sorrisos pela tarde
E quiçá um amor para noite.

Se tal amor vier,
Serei eternamente grato as flores,
E para o novo amor darei as mesmas flores
Que por mim foram plantadas e regadas.

Sendo assim, estarei eu em forma
De flor nas mãos do meu amor.
E se um dia eu vier a murchar de carência
A culpa será da dona da flor,
Que um dia eu ousei chamar de amor.


BrunoricO.

Poesia adormecida.

Papeis amassados,
Palavras riscadas,
Linhas que ainda
Não foram preenchidas.
Eis a poesia inexistente
Que o poeta ainda
Não tornou presente.

Tal poesia
Adormece inquietante.
E o poeta aguarda
Pelo instante
Em que ela despertará.

Mas se o sono for mais forte
E a poesia não se fizer forte,
A mesma terá decretado
A própria morte,
Deixando o pobre poeta
A mercê da sorte.

Só que o poeta
Não se fez de vencido,
E a Deus ele fez um pedido,
Pedindo-lhe inspiração.

Depois da oração
A poesia finalmente acordava.
O poeta enfim se alegrava
E entendia definitivamente
Que sem Deus não existe inspiração
.
BrunoricO.

Nuvem abstrata. (Dedicado)


Os pássaros vêm e vão
No compasso das folhas ao vento.

Folhas secas caem
No chão árido banhado
Pela chuva matutina.

No meio de um céu de nuvens abstratas
Eu avistei uma nuvem familiar.
Ela se movia com charme
Era graciosa e pomposa.
Dentre todas, era a única
Que possuía maestria
E até mesmo expressava alegria.

De alguma forma aquela simples nuvem
Me fez lembrar você.
De alguma forma aquela nuvem
Abstrata para os demais
Remeteu-me aos momentos únicos
Que passei me sentindo nas nuvens com você.

Pensando bem, aquela simples nuvem
Era apenas uma simples nuvem,
E nada mais.
Não foi a nuvem que me fez lembrar você,
Pois a todo momento lembro de ti,
Independente do céu estar nublado,
Ensolarado ou estrelado eu lembro de ti.
Mas foi a nuvem que me fez perceber
Que até mesmo no abstrato
Formas se criam com suntuosidade
Quando em minha mente
Você está presente.

BrunoricO.

O réu e o Juiz.

Deguste-me
Como um mendigo
Degustarias um banquete.

Ouça-me
Com a mesma atenção
Que o réu escuta o juiz.

Valorize-me
Como o burguês
Ao capital.

E se decidires
Por me julgar:
Julgue-me
Com as mesmas leis
Que julgas a si mesmo.

Pois só assim conferiremos
Com a mais pura certeza
Quem padecerá
No corredor da morte.

E se preciso for
Adaptaremos a cela
Para o juiz,
E a toga para o réu.
BrunoricO.

Espelho das vaidades.


A sombra do humilde
É soberba diante
Do espelho da imparcialidade.

Ninguém se vê pelo que é,
Muito menos se nota com os olhos que tem.
Se todo espelho refletisse verdade
Ninguém se olharia com tanta vaidade.

Os narcisistas só se amam,
Porque se enganam
Com o reflexo distorcido da mentira.

Os espelhos que ousaram refletir verdade
Foram abolidos da humanidade,
Em seus lugares foram colocados
Os espelhos que só refletem vaidades.


BrunoricO.

O dia que não existirá.

Eis um novo mundo.
Sem muro,
Sem cerca,
Sem seca.

Eis a utopia:
Um mundo de paz
Onde a cor da pele
Já não importa mais.
Eis o mundo da igualdade
Onde todos se cumprimentam
Sem falsidade
E as mentes iludidas
Já não existem mais.

Eis o meu sonho
Mais do que tolo:
Um mundo novo
Cheio de utopias
Onde todos se olham
Nos olhos sem dizer mentiras.
BrunoricO.

E se fossem anjos e deuses jogados ao chão?


Jogados no chão
Eles se sentem como lixo,
Vivem como lixo
E são vistos como tal.

Não possuem mais
Forças para sair dali.
As poucas que possuíam
Foram minadas
Pelo julgador
Que aponta,
Afronta
E desdenha
Do ser por trás da casca
Do medo.

O medo, aliás,
É o regente
Da ópera maldita.
O medo invoca
E provoca o julgamento
Antecipado e inadequado
Do ser jogado ao chão
Que carece de compreensão.

Chão que exibe morte
Em forma de gente
Ainda viva.
Chão pisado por vivos
De corpo,
Mas mortos de alma.

Seria o chão da Terra
O céu do inferno?
Seriam anjos e deuses
Os habitantes do chão
Da Terra?

Ironia seria
Se os vistos como demônio
Fossem entidades do bem,
E os vistos como santo
Fossem entidades do mal.

Se os moradores
Do chão
Forem anjos e deuses
Os julgadores e apontadores
Já não possuem
Escapatória para a salvação.

BrunoricO.

Sensibilidade.

O surdo não ouviu os gritos do louco
Que passou furioso ao seu lado;
Mas ao sentir sua tensão,
Pegou o louco pela mão,
Proferiu-lhe uma linda oração,
E a fúria do que antes bradava com agonia
Fora transformada em unção
Pelo homem que nada ouvia,
Mas tudo sentia.

BrunoricO.

Folhas azuis.


No meio da imensidão de árvores na floresta,
Uma se destacava por seu estilo
Mais do que peculiar.
Era a árvore de folhas azuis;
Ao contrário das que a cercavam,
Tal árvore não possuía
Folhas verdes como as demais,
Suas folhas eram azuis,
Algumas mesclavam entre
Tons claros e escuros,
Mas todas eram azuis.

Por ser diferenciada
A árvore de folhas azuis
Era profundamente discriminada.
Os pássaros não faziam morada
Em seus galhos,
Os felinos não a escalavam
E as outras árvores dela não gostavam,
Pois a invejavam por ser diferente.

Certo dia um grupo de madeireiros
Resolveu cortar todas as árvores da floresta,
Mas preservaram a de folhas azuis,
Justamente por ela ser diferente.

Durante anos a árvore de folhas celestiais
Imperou impoluta como um ponto azul
Na imensidão da solitária floresta.
E como os pássaros
Que outrora a desprezavam
Não possuíam mais opção,
Restou-lhes apenas,
A eterna bajulação.

BrunoricO.


Comentário do autor: Os diferentes também possuem o seu valor e a sua beleza particular. Ninguém precisa e nem deve ser igual a ninguém; que chato seria o mundo se todos fossem iguais, pensassem e agissem da mesma forma. É preciso ser diferente , o mundo já está farto dos seres iguais.
Viva a diferença!

Fantoche.


De longe avisto o que de perto
Não conseguia ver nem de binóculo.
As agruras do tempo afastaram
De mim o desejo de querer o que realmente queria;
Com isso acabei querendo o que queriam
Que eu quisesse,
E acabei me tornando
O que queriam que eu me tornasse.

Hoje avisto os desejos perdidos
Em sonhos não sonhados
Por costume de me desacostumar
Aos apegos da alma.

Não sei ao certo se me tornei o homem
Que sonhavas ser quando criança.
Provavelmente não.
Tenho medo de ter frustrado
A criança que fui um dia.
Tenho medo de morrer
Sendo o que realmente sou.


BrunoricO.

Última poesia.

Apagaram as linhas
Póstumas do poeta.
Transformaram suas linhas de vida
Em rascunhos de morte.

Ele não era do tipo
Que causava boa impressão,
Cheguei a vê-lo andando maltrapilho;
Poeta de cara emburrada, amarrada,
Não sorria e nem chorava,
O rosto quase sempre
Parecia sem feição.

Morreu cedo, e morreu sem medo.
Morreu escrevendo tudo que sentia.
Antes mesmo de morrer
Confessou-me já ter escrito
Tudo que tinha pra dizer,
E justamente por isso
Já desejavas morrer.

Poeta de berço,
Tinha pelos versos
Um grande apreço;
Quando não escrevia nada
Num dia em que julgava inspirador,
Sua alma já vazia transbordava de dor.
Não aguentou longos dias
Sem escrever,
Já estava cansado de pegar na caneta
E não ter o que dizer.
Acabou morrendo ao lado de
Papeis amassados e rasgados.
Quando abriram tais papeis
Encontraram o seu último legado.
Sua face já esbranquiçada
Pela falta de vida ainda sorria.
Talvez fosse pela alegria
De morrer escrevendo a sua
Última poesia.
BrunoricO.

Último vagão.

Vagueio sem pressa
Pela plataforma do caos.

Enquanto a maioria corre,
Para o já lotado
Primeiro vagão,
Eu caminho a passos lentos
Para o tranqüilo
E vazio último vagão.


BrunoricO.

Comentário do autor: a maioria sempre caminha depressa quando o destino é o erro.
É muito mais fácil e prático seguir uma maioria, do que parar pra pensar sobre o que é certo ou errado. Muitas vezes um seguidor de multidões é um preguiçoso mental.

Ainda vejo vida.

Vejo VIDA na flor que nasce,
Na chuva que cai,
Na criança que ri.

Vejo VIDA no enfermo que ainda crê,
No analfabeto que aprendeu a ler,
No idoso que ainda quer viver.

Vejo VIDA quando vejo a aurora,
No mendigo que ainda chora,
No pecador que agora ora.

Vejo VIDA no explorado que peitou o capataz,
No viciado que já não se droga mais,
Na grávida que carrega a paz.

Vejo VIDA no que ainda sonha,
No que ainda clama,
No que ainda ama.

Apesar dos pesares
Ainda vejo vida.

BrunoricO.

No palco da vida.


Entrei em cena sem ser visto
E saí sem ser notado.
Apresentei-me timidamente
Com medo de fazer algo errado.
Acabou que de errado nada fiz,
E de certo também não.
Já que o certo em minha arte
É no espectador causar comoção.

Não fiz nascer o brilho no olhar
Em quem me olhava atuar.
Não fiz chorar,
Não fiz sorrir,
Só fiz mentir.

Menti pra mim mesmo.
Fui pífio no que fiz.
Fiz questão de enganar-me
Achando que o medo ia me confortar,
Mas o medo nunca conforta.

Acovardei-me diante do meu personagem.
Atuo o tempo inteiro
E quando precisei atuar
Faltei com a minha verdade.

Preciso vencer os fantasmas
Que assolam o meu ser.
Preciso ser o que sou
E o que sou tenho de mostrar.
Preciso ser no palco
O que sou na vida.

BrunoricO.

Forças da natureza.


Joguei no vento
As folhas
Que continham
Os escritos do passado.
Quero escrever
Novas linhas.
Preciso colorir
Com novos tons.

Do mesmo vento
Que me desfiz do passado
Refiz-me para o presente
E preparei-me para
O futuro.
Consegui sentir
Na força da natureza
A essência da vida.
Consegui sentir
Na força do vento
A fraqueza da vida.
Entendi quão fraco
Somos ao aparentar
Uma força inexistente
Para confortar
O ego.

Não devemos nos enganar
Com a aparente suavidade
De um tempo sem tormenta.
Nem devemos nos assustar
Com as tempestades repentinas.
Devemos sim, entender
Que a natureza
Nos faz compreender
O incompreensível.
Devemos entender
Também
Que os dias de sol
E os dias de chuva possuem
O mesmo apreço.

Sol e chuva
Possuem o mesmo criador
E atingem as mesmas
Criaturas.

Se estiveres passando
Por dias ensolarados
Não se esqueça
Que uma tempestade
Repentinamente
Poderá surgir.
E se estiveres passando
Por dias de tormenta
Não se esqueça
Do brilho do sol.

Devemos crer
E entender
Que fazemos parte
De um ciclo cósmico natural,
Onde a força da natureza
Transforma um fraco em forte
E dá vida ao
Que na vida padecia.

Somos parte
Da onda que se quebra,
E do vento que do
Nada se constrói
E no nada se destrói.

Do que viemos voltaremos.
E na natureza
Eternamente permaneceremos.

Somos parte
De um todo
Que para todo
O sempre existirá.

Somos, portanto imortais.

BrunoricO.

Quero que o mundo se foda!

Quero que todos se explodam
Com suas dinamites
Internas que carregam
Em forma de coração.

Quero que o mundo
Se espatife no chão,
Se quebre em mil
E que dessas mil partes
Nenhuma se faça plena.

Quero um outro mundo,
Com outras pessoas,
Outras crenças,
Outros dogmas,
Outros valores
E outros amores.

Quero que os seres
Que se dizem humanos
Se afoguem em sangue,
E chorem suas lágrimas
De hipocrisia
Nos quintos dos infernos.

Na verdade
Eu quero mesmo
É que o mundo se foda!


BrunoricO.

* Essa poesia foi expelida por mim em um profundo e tenso momento de raiva com o mundo (entendam-me, por favor). Nada melhor do que desabafar em versos.

Perguntas feitas pra Deus.

Qual o futuro dos desafortunados?
Será verdade que os humilhados
Serão exaltados?

O Senhor fez o mundo?
O Senhor fez o homem?
E por que não terminou o projeto?

Por que existem humanos desumanos?
Por que Abel foi morto por Caim?
Por que esse mundo tão cruel
Ainda não teve seu fim?

Por que Eva mordeu a maça?
Por que deram a Judas o cargo de traidor
E a Pedro o cargo de santo?

Por que existem guerras eu Teu nome?
Por que o mundo já nasceu no pecado?
Por que quem faz o certo é visto como errado?

Por que Teus filhos acham que beleza
É sinônimo de bondade?
Sendo que Lúcifer era o Querubim mais belo
E decaiu para a maldade.
Por que tanta ignorância Senhor?
Por quê?
Pra quê?

E por fim a pergunta que mais
Me consome:

Existe mesmo semelhança
Entre o Senhor e o bicho homem?


BrunoricO.

Agonia!

Desejo de querer e não ter.
Vontade de fuga,
Mas a estadia é permanente.
Sentimento de perda de tempo.
Tormento da alma.

A água cai e não molha.
O prato é fundo,
Mas a fome não cessa.
Palavras são pronunciadas
Sem querer,
Mas a vontade de gritar é imensa.


BrunoricO.

Procura-se o futuro.

Agora é presente.
Não, agora é passado.
Os segundos que passaram não voltam mais.
O último suspiro dado já é passado.
O presente existe.
O passado existiu.
Mas e o futuro, onde está?
Ele não está.
Ele nunca esteve.
Ele nunca veio,
E se veio já se foi.
Virou passado.
Aliás, temos lembranças do passado,
Mas nunca do futuro.
Do futuro temos medos e aflições,
Expectativas e suposições.
O futuro é uma conversão do presente,
É um tempo ausente e inexistente.
Quem se aflige pelo futuro
Se aflige pelo nada.
Quem vive o futuro morre no presente.
E quem morre no presente
Não vive em tempo algum,
Talvez no passado.
Mas de que adianta viver
De passado ou no passado?
De que adianta viver de futuro ou no futuro?
Talvez a resposta venha amanhã.
Talvez o futuro seja melhor amanhã.
Talvez.


BrunoricO.

Que assim seja.

Que o "assim seja",
Seja finito assim como
O "seja como for"
Não se transforme
Em conformidade
De um ser sem valor.

Que as aceitações
Não sejam vagas
E sem motivos.
E que a mesma aceitação
Não seja em vão,
Respeite a razão e que
Com a emoção não entre
Em conflito.

É preciso ser sucinto
Nas respostas.
É preciso aprender a respeitar
Os verdadeiros desejos do coração
Diferenciando o sim do não.
Pois nem toda resposta
Positiva tem um bom motivo,
E nem toda negação
É negada com verdade.
Por isso é preciso
Agir sempre com sinceridade,
Seja no negativismo,
Seja na positividade.

Negativo é o que pensa
Como um todo
E positivo é o que pensa
Por todos.

É preciso que os seres coletivos
Pensem por si só,
E que nessa jornada
Não vivam só,
Sem coletividade.

É preciso que os humanos
Pensem como uno
E não como humanidade.
Pois não é justo
Julgar sem analisar.
Não é correto
Analisar sem pensar.
E não é viável
Pensar sem questionar.
Questione o mundo.
Duvide de tudo.
Se preciso mude o rumo.
Mas não aceite
Inerte e calado
O "que assim seja".
Pois quem deseja mudança
E evolução precisa ter ação.
Já que corpo sem reação
Não gera revolução.

E que assim seja!


BrunoricO.

Mandrião.

Queria correr faltou-me perna.
Queria subir faltou vontade.
Queria pular e faltou-me tudo,
Inclusive coragem.

Sinto vontade de nada fazer,
Inclusive falta-me vontade
Até mesmo de viver.
Mas também sinto preguiça de morrer.

Pelo visto não me resta nada a fazer
A não ser nada fazer.

E se não tenho o que fazer,
Nada farei.

BrunoricO.

Intrépido poeta.

Os destemidos seres comuns
Evoluem a poeta.
Pois quem tem medo
Não se faz poeta.
E quem se faz poeta
Deixa seus medos
Em folhas de papel
Em forma de poesia
Para curar a avaria.

O intrépido poeta
Transforma tudo em verso
Com a mais pura maestria.
Do amor ao desamor,
Da primavera da mais linda flor.
Do choro a alegria
Tudo vira poesia.

Intrépido poeta é
O que declama solitário e sem medo
O seu sarau de introspecções.

Ser intrépido é superar
Os medos.
E Ser poeta é pô-los no papel.


BrunoricO.

Confissões de um palhaço.



Apresento-me no palco da ilusão.
Aqui sou o maior anfitrião da solidão.
Daqui vejo os inúmeros
Espectadores do picadeiro
De angústias e aflições.

Em meu rosto largo
Carrego as impurezas do mundo
Em forma de alegria.
Engano os já enganados
Desse mundo desviado.
Ratifico nos risos infantis
Minha profissão de palhaço.

Minha verdadeira arte
Consiste em sorrir na tristeza
E chorar na alegria.
E isso eu faço com grande maestria.
Talento de criança,
Mamãe já dizia.

Em minha face
Trago a divina falsidade.
Que de fato é,
E sempre será o maior talento
Da nossa humanidade.
Só aperfeiçoei tal divindade
Para poder sobreviver
Sem passar necessidade.

No palco mundo
Meus colegas de profissão
Fazem rir,
Mas também fazem chorar.

No meu simples picadeiro
Eu só faço rir.
Mas choro
Com os números do
Palco principal.
Palco sarcástico e imoral
Que transforma lindos sentimentos
Em poeira e só.

No meu picadeiro
Eu sou artista
Na arte de fazer rir.
No palco mundo
Eu faço parte
Do público que aprendeu a mentir
Para poder sorrir.

Mas não me confunda com os demais.
Eu represento os palhaços
Que pintam o rosto para viver,
E não os que sujam a alma
E se vendem pra sobreviver.

BrunoricO.

Quarto escuro.

Encontro-me num quarto escuro.
Estou preso aqui!
Não vejo janelas,
Não vejo portas.
Ouço vozes,
Vejo vultos.

Nesse quarto guardo meus tormentos
E minhas lamúrias.

Tenho medo de sair.
Tenho medo de arriscar.
Tenho medo do novo.
Não quero novos desafios,
Novos perigos e novas expectativas.
Não quero frustrações.

Acostumei-me com costumes peculiares.
Tenho hábitos que não quero mudar.
Tenho vícios que fora desse quarto
Ninguém vai aceitar.

Não gosto muito daqui,
Mas por aqui vou vivendo.
Dizem que fora desse quarto existe um mundo
Que as pessoas não gostam,
Mas também vão vivendo.
Então prefiro ficar por aqui.

Brunorico.

Saga Nordestina.

Eis aqui uma pequena e singela homenagem a esse povo bravo e guerreiro do nordeste do meu Brasil que muitas vezes deixa a sua cidade, familiares e amigos para tentar a sorte nas grandes capitais.
Mas infelizmente nem todos conseguem se dar bem na selva de pedra. Nem sempre a saga nordestina tem final feliz.


Saga nordestina parte I.
Terra seca.





No meio da seca
Minha vida seca mais do que a terra.
Olho pro céu e não vejo vida.
Olho pra terra e vejo morte.
O gado morreu,
A colheita não rendeu,
A terra sucumbiu.

Nasci aqui,
Mas não vou morrer aqui.
Assim não!
Não vou morrer seco de esperança.
Aqui já não existe mais vida.
Aqui já não existe mais nada.
Meu nordeste padece de vida.

Arrumarei as malas pela manhã,
Vou-me embora daqui.
Meu coração irá se partir
Como terra seca no sertão.
Mas vou partir.
Aqui o meu brado já não tem eco nem sentido.
Preciso de novos ares.

Vou pra São Paulo,
Dizem que lá tem emprego e oportunidade.
Pior que aqui não pode estar.
Pior do que estou
Não posso ficar.

Vou dormir.

Acordei em mais um dia seco
Em meio a sonhos secos sem um pingo de nada.
Peguei minhas malas,
Peguei meus sonhos.
Não ficou nada para trás,
Somente as lembranças.

Lá vou eu...

Saga nordestina parte II.
Terra fria.




Cheguei moído, corpo dolorido.
Me afogo no cansaço,
Mas tenho que trabalhar
E procurar um lugar para ficar.

Ao procurar emprego
Sinto frieza no olhar do senhor.
Ele me olha com desdém,
Como se eu não fosse ninguém.
Me senti humilhado, avariado, desonrado.
Nunca fui e nunca serei um pobre coitado!
Minha mãe me fez homem,
Cabra macho de muito valor.
Não abaixarei a cabeça
Para nenhum homem
Metido a doutor.

Mas já é chagada a noite,
Não arrumei emprego
Nem lugar pra dormir.
Só me resta a luz da lua,
Só me resta dormir na rua.
Sinto falta da minha rede,
Sinto fome, sinto sede.
Mas preciso dormir.

Acordei com esperança
Hoje eu consigo!

Bati em várias portas e deparo-me sempre
Com a velha frieza do olhar.
Um povo sem carinho
Que vive correndo e não tem amor para dar.
Julgam-me pelas roupas.
Julgam-me pelo meu jeito.
Mas ninguém me conhece direito.
Me sinto como uma máquina com defeito.
Não sirvo pra nada,
Não me querem pra nada.
De fato, eu sou um nada.

Passado um ano ainda estou aqui.
Nada consegui,
Objetivos não atingi
E acabei por desistir.
Hoje moro nas ruas
E só tenho uma amiga:
A lua.

Morando nessa terra fria de almas vazias
Até consigo sentir falta da minha terra seca
Que outrora vivia.

BrunoricO.

O saudosista.

Observo a fotografia já gasta
Pelo ávido tempo
E relembro das coisas do passado.

Lembro da falta de modernidade
Nas cartas que escrevia
Para a amada
Durante a mocidade.

Lembro de como era mais
Simples e bondosa
A vida ainda na pacata cidade.

Lembro das belas e suaves canções
Que sempre ouvia
Em minha radiola de madeira
Nas manhãs que precediam
As tardes corriqueiras.

Lembro dos sonhos infantis,
Dos desejos juvenis
E das coisas que conquistei
E posteriormente perdi.

Lembro dos amigos da infância,
Das doces e sadias
Brincadeiras de criança.

Lembro-me como se fosse hoje
De um tempo distante
Que em nada se assemelha com o hoje.

BrunoricO.

Atrás das paredes.



Queria contar-te nessa minha poesia
O segredo mais inimaginável e sombrio
Que guardo acorrentado
Em minha alma.
Mas reluto com tal confidência,
Pois não confio em ti.
Não confio em humanos.
Haja vista que minha parede
É minha melhor confidente.
Só com ela atrevo-me
A publicar o impublicável.

Minha parede, ou melhor, minha amiga,
Não possui costumes sociais
Nem proferi julgamentos
Preconceituosos sem o julgado merecer.

Por não confiar no que se move
Confidencio-me apenas pras paredes.
E se um dia ela me faltar com confiança,
Saberei que não foi ela,
E sim alguém que se escondia atrás dela.

BrunoricO.

Violão sem corda.


Existem coisas sem sentido.
Existem os que acham sentido
Em viver sem ser sentido.
Tais seres sofrem de profundo desvario.

Será que os loucos
Se enxergam como loucos?

Acho que não.
Se não eles não seriam loucos.

Alias, há sentido na loucura?

Acho que sim.
Se não o são não existiria.

E por falar em são...

O mesmo,
Passou em frente
A um manicômio
E ficou observando
O louco tocando
O seu violão sem corda.

Enquanto o louco
Alegremente tocava,
O são se entristecia
Por não ouvir a canção
Que no louco proporcionava
Imensurável alegria.

Ao chegar em casa,
O são arrancava alegremente
As sete cordas do seu violão.

BrunoricO.

Não tenho cara de poeta.

Certo dia disseram-me
Que não tinha cara de poeta.
Antes de tal julgamento
Pensava eu, que poeta
Precisava ter alma,
E não cara,
Mas equivoquei-me
Por pensar assim.

Descobri que pra ser poeta
É preciso ter cara de tal.
Cara essa que não possuo,
E creio eu nunca vá possuir.

Mas não sou menos poeta por isso.
Não me faço por cara,
E nem por caras me faço abater.
Não escrevo meus versos
Com minha face,
Escrevo-os com meu coração.

E quem meu coração não vê
Diz que não sou poeta.
E ao fitar o olhar em minha face
Ratificam tal afirmação.

Alienação?
Talvez sim,
Talvez não.

Mais uma coisa é certa:
Poeta sem cara
Eu sou de coração.


BrunoricO.