Sem querer querendo.

Ironia ou não,
no dia da Black Friday
o mundo também perdeu
um pouco do seu valor.

Enquanto pessoas corriam
atrás de descontos materiais,
nos descontaram algo
de valor imensurável.
Não houve lucro algum,
muito pelo contrário,
pois o prejuízo foi irrefutável,
a tristeza tornou-se inevitável
ao constatar o inaceitável:
ele partiu da vila,
partiu da vida
e partiu muitas vidas.

Que criança nunca quis
passear em Acapulco?
Que criança nunca usou pelo menos um
de seus inúmeros bordões?
Bolanõs era um ser de luz
que com sua magia fraterna
sempre afagava os nossos corações.

Agora ficamos reféns
de humoristas e heróis descartáveis,
e nem adianta perguntar
quem irá nos defender,
pois o herói colorado da marreta
acabou de partir desse planeta.

Eu nunca tinha entendido direito
a frase "foi sem querer querendo",
mas hoje eu a compreendi perfeitamente,
pois foi exatamente assim
que o grande mito nos deixou:
sem querer querendo.

Bruno Rico.




Eis uma singela homenagem para o homem que foi presente e foi um presente na minha infância e na minha vida num geral.

A doença do negro moreno.


Jorge havia passado a noite toda tossindo mais do que o normal, essa tosse chata já persistia por mais de duas semanas, só que nesta última noite a tosse não deu trégua, e o pobre coitado sequer conseguiu dormir. Mas sem plano de saúde, com muito trabalho por fazer na obra, e com um patrão nada maleável, ele resolveu ir remediando o problema, e remédio mesmo que é bom, nada.
Pela manhã ele deixou seus três filhos com a vizinha - que também era sua tia-avó - e partiu com a esposa Letícia para o posto médico mais perto do morro em que morava.
Jorge residia no pico do morro, praticamente na última casa, se é que podemos chamar de casa um cômodo dividido por cortinas, com apenas uma janela, telhas quebradas e esgoto correndo bem na porta.
Apesar de o ditado popular dizer que “pra descer todo santo ajuda”, até a descida da colina estava sendo tortuosa para o cansado Jorge. A cada dez degraus de escada, vinha uma tosse. Quando finalmente chegou ao asfalto, as tosses diminuíram, mas ele ainda se sentia muito fraco, e sequer pôde repousar sentado no ônibus, já que o mesmo estava completamente lotado às oito da manhã. Algumas pessoas até repararam que ele estava muito mal, mas na dúvida, preferiram permanecer sentadas.
Quando finalmente chegou ao posto médico com sua esposa, um milagre aconteceu logo de cara: o local estava vazio! Jorge chegou até a se animar, afinal de contas, aquele lugar vivia mais lotado que banco em dia de pagamento, e isso também era um fator que sempre lhe desencorajava a procurar um médico.
Ao se apresentar na enfermaria para fazer a ficha, a enfermeira foi logo perguntando os dados:
- Nome?
- Jorge Domingues da Silva.
- Idade?
- Vinte e sete.
- Cor?
- Moreno.
- Não, meu querido. No Brasil você só pode se declarar dentro de cinco cores, que são branco, pardo, negro, amarelo e índio.
- Então bota amarelo. – respondeu o enfático Jorge.
Nesse momento, a enfermeira que atendia Jorge, uma loira – dessas de pentelho preto – olhou para a outra enfermeira que estava sentada ao seu lado, e ambas fizeram aquela cara de “esse negão está de sacanagem”. A loira respirou fundo, olhou bem para a face do Jorge e disse:
- Você é japonês por acaso, pra se declarar amarelo?
Jorge olhou para sua esposa e riu, mas foi um riso de pessoa sem graça, que não tem o que fazer e acaba rindo para não ficar ainda mais sem jeito.
- Então é pardo, né. – disse Jorge, mais perguntando do que afirmando.
A enfermeira então marcou pardo na ficha, mesmo a contragosto, até porque Jorge era um negro de 1,90m de altura, a cor da sua pele era a mais escura possível, então o termo pardo soava como um grande eufemismo para todos que ali estavam. Mas como a enfermeira loira parecia estar com pressa, ela não quis se alongar nessas questões, até porque percebeu que seria em vão. E assim ela continuou com a ficha:
- Você faz uso de algum tipo de droga lícita ou ilícita?
Depois de dar uma pausa, Jorge respondeu:
- Sim, fumo maconha.
Nesse momento, a esposa Letícia fez cara feia e deu uma cutucada nele, mas foi logo advertida.
- Ué, mulher, tem que falar, a moça perguntou.
- Pois é, tem que falar mesmo, pois tem remédio que não pode fazer associação, se o paciente não falar e tomar o medicamente errado, pode até morrer. – disse a enfermeira loira, fazendo caras e bocas para a esposa de Jorge.
Por fim, a ficha foi preenchida e as enfermeiras pediram para que o paciente aguardasse, pois logo seria chamado.
Enquanto de um lado Jorge cochichava sobre as enfermeiras com a esposa, de outro lado as enfermeiras cochichavam sobre Jorge.
Ao ser chamado no consultório, Jorge foi fitado da cabeça aos pés pelas enfermeiras; sua esposa fez cara de nojo, mas Jorge nem viu nada, estava focado, queria apenas ser atendido e ser curado daquela tosse infernal.
Depois de sair do consultório ele foi encaminhado até a radiografia, a pneumologista havia pedido uma chapa do tórax.
Horas depois, a mesma enfermeira que havia atendido Jorge pela manhã chegou com a radiografia dele nas mãos, mostrou para a colega e disse:
- Olha amiga, coitado do negro moreno, está com tuberculose.
- Ih, não vai mais poder fumar maconha – completou a amiga.
Após pegar o resultado e ganhar uma sacola cheia de antibióticos, Jorge foi embora desolado. Não poderia trabalhar tão cedo, não poderia fumar sua maconha pelo menos por seis meses, porém, ao chegar à porta de casa teria que ser recebido pelo esgoto que já era praticamente da família; e olha que a doutora pediu para que ele mantivesse uma boa higiene. Pobre Jorge.

Bruno Rico. 

Senil solidão.



Sentirei saudade quando me faltar
o que em outrora parecia supérfluo.

Sentirei medo quando me faltar
quem hoje me acalanta.
Sentirei melancolia
quando lembrar das minhas
antigas alegrias.
Sentirei dor quando lembrar
que há tempos eu já era velha,
mas ainda era criança.

Com o passar do tempo
poderei receber a visita
de um amigo indesejado,
aliás, como é abusado
aquele alemão safado!
Ele sempre chega sem avisar,
além de nunca bater à porta,
é um mal-educado de ofício;
esse é o Sr. Alzheimer,
um chato doidivanas que quer sempre
levar-me para o hospício.

Ele sempre chega pra ficar,
nunca parte,
nunca mesmo!
É um amor insano,
um grude cotidiano,
ô sujeitinho tirano!

Sempre que ele chega
eu recordo das paixões
da minha mocidade,
pois com ele eu perco todos
os meus sentidos,
perco as forças,
esqueço do mundo,
esqueço de tudo.

E antes que eu me esqueça,
gostaria de deixar um recado:

Quando não mais ouvirmos,
sentiremos falta da música.
Quando não mais andarmos,
sentiremos falta da dança.
Quando nos silenciarmos de vez,
sentiremos falta dos gritos
que dávamos para aliviar
a falta de sensatez.
E quando por fim, nos faltar a razão,
e chegar a hora da senil solidão,
não sentiremos falta de mais nada,
pois todas as lembranças serão apagadas
e todos os sentimentos
serão extintos do coração.

Bruno Rico.

Eis um reflexo do processo "evolutivo" do ser humano. 

A cidade secou.


João sofre de sede,
Maria sofre de depressão.

O primeiro vagueia sempre fraco,
enquanto a segunda,
vive jogada no chão.

Chão que forma a cama
que a recebe a dor.
Chão árido,
espelho de um lugar
onde a água já secou.

Enquanto alguns
regam o ego,
outros secam as fontes,
sempre fez parte do instinto humano
limitar os horizontes.

A cidade seca
é a residência permanente
desses dois personagens,
que lutam por coisas distintas,
mas que possuem na face
o mesmo olhar de cansaço.
Enquanto João clama por água,
Maria quer apenas um abraço.


Bruno Rico.

Sem cruz.




Cada vez eu faço menos o sinal da cruz,
não, não me sinto mais protegida por isso.
Famigerada cruz.
Cruz minha que ninguém quer carregar,
dor minha que todos querem zombar,
carne minha que todos querem açoitar.

Tirei até a medalhinha do peito,
vi que não fazia efeito.
Ela só pesa,
não mais do que a que carrego
todo dia sobre as costas.
Na verdade tudo é muito pesado.

A saudade me pesa,
a falta do sorriso que já se foi,
também me pesa,
minha rotina parece um grilhão
que se arrasta e me desgasta,
tamanho é o peso.

Mas o pior é o peso do silêncio,
silêncio da alma,
silêncio que apesar de ser quieto,
não me acalma,
silêncio que me faz
gritar todo dia por dentro.
É por isso que eu não quero mais saber de cruz,
embora não consiga descer dela. 

Bruno Rico.

O avião da Marina também caiu.


Analisando friamente o atual quadro político brasileiro, e deixando os meus gostos pessoais de lado, resolvi escrever uma pequena crônica política (pois é, não é só o Arnaldo Jabour que faz isso):

O percentual de diferença do Aécio para a Dilma no primeiro turno foi de 8%.
A candidata Marina obteve pouco mais de 21% de votos.
O eleitor da Marina é o eleitor da mudança. Antes da morte do Eduardo Campos, esse eleitor estava mais perdido no que gringo andando no camelódromo da Uruguaiana no Rio de Janeiro, pois ele simplesmente não sabia o que fazer da vida, ele só sabia que não queria ver mais a cara da Dilma no poder. Aí o avião caiu, estranhamente, mas caiu, e veio a Marina, com seu ar de redenção, sua aura verde de salvadora da pátria; de início ela postulou de fato como a candidata da mudança - o Brasil sempre careceu de heróis e heroínas - e a Marina veio nesse pique, e muita gente se viu representado por ela, tanto é, que na época do Eduardo Campos, o falecido (que ninguém fala mais) aparecia com humildes 8%, quando o vento estava bom batia 9%, mas não passava disso nas intenções de voto. Daí Marinete chegou e tudo mudou, só que no meio desse voo presidencial o avião dela também caiu, a candidata se perdeu no meio da campanha e alguns eleitores se perderam junto com ela.
Mas por que eu estou falando tanto da Marina se a disputa é entre Dilma e Aécio? Estou falando da Marina porque será o eleitor dela que decidirá essa eleição, na verdade, se o piloto da Marina não tivesse dormido durante o voo, era ela que estaria nessa disputa, mas o avião dela caiu, malandramente o Aécio abriu seu paraquedas e chegou tomando conta do pedaço.
Marina está prestes a apoiar oficialmente o candidato Aécio Neves, e é lógico que o eleitor dela não fará tudo que ela mandar, mas com certeza muita gente que está nos seus 21% irá votar no Aécio sim, e isso não acontecerá somente por conta do apoio dela não, isso acontecerá, pois o eleitor da Marina é o eleitor da mudança, e ele não quer a Dilma nem pintada de verde, isso é um fato.
Alguns eleitores da Marina poderão sim votar na Dilma, até porque tudo também depende do tom de campanha da presidenta nesses próximos dias, mas essas pessoas serão minorias.
A Dona Dilma ainda tem outro fator bem grave contra ela, muitos eleitores da extrema esquerda e outros tantos insatisfeitos com absolutamente tudo, irão anular o seu voto, e esses votos nulos certamente farão muito falta para algum candidato, e tudo indica que essa falta será mais sentida pela Dilma.
O eleitor da Dilma do primeiro turno vai com ela até o fim, o do Aécio a mesma coisa; já metade, ou pouco mais da metade do eleitor da Marina, deve votar no Aécio, e a outra metade deverá fazer não sei o que da vida. Os eleitores da Luciana Genro deverão votar na Dilma em sua maioria, mas isso não deverá causar tanto alvoroço no cenário, e a rejeição para ambos os candidatos totalizando brancos e nulos será muito grande, talvez até surpreendente.
Resumindo em miúdos: com o eleitor da Marina, que é o eleitor da mudança, votando em sua maioria no Aécio, e com a pouca possibilidade de pessoas se debandando para o lado da Dilma, só posso concluir a minha teoria dizendo que no dia 1º de Janeiro de 2015, os Tucanos voltarão ao poder do Executivo, pois Aécio Neves será o 37º Presidente do Brasil.
Ah, e só pra fechar: é bom que ele faça das tripas coração para conseguir fazer em quatro anos um mandato pra lá de excelente, com o mínimo de escândalos possíveis; do contrário, em 1º de Janeiro de 2019, se tiver vida e saúde, o Lulinha paz e amor toma de assalto tudo de novo.

Posso estar errado em tudo que disse? Claro que posso, até porque as pesquisas de intenção de voto são pagas e mesmo assim ainda erram boa parte dos resultados; então ta tudo certo.

Bruno Rico.

Os canalhas da Mangueira - Capítulo 2.


Os canalhas da Mangueira.
Capítulo 2 – Aprendendo a jogar sinuca.
Este conto possui pitadas – senão o saleiro todo – de machismo, sexo, traição e fetichismo.



Mangueira teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...

Tyson caminha pelo buraco quente da Mangueira rumo a mais um dia de trabalho. No bar do Xexéu toca um samba do Cartola, o que deixa Tyson mais animado para um dia de luta, pois o próprio sempre diz que a música é a única coisa que lhe acalma de fato.
O temperamento impulsivo sempre deixou Tyson em situações complicadas, é bem verdade que se ele fosse um sujeito mais sereno, a sua vida seria menos sofrida, mas personalidade é complicado, não se muda assim tão fácil, ainda mais com uma vida difícil, cheia de traumas, como foi a dele.
Tyson é daquele tipo de sujeito que xinga na cara se não gostar de alguma coisa, e não importa quem seja, tanto é que ele está indo para a sua terceira carteira profissional, tantos foram os lugares que ele já trabalhou. Com apenas trinta e dois anos de idade ele já coleciona passagens por mais de trinta empresas; trinta! É coisa pra cacete. O motivo das demissões? Ofensas e desavenças com os chefes, em alguns casos o caô chegou as vias de fato.
Com o tempo, além das empresas se cansarem dele, ele também se cansou das empresas e resolveu por em prática a profissão de pedreiro que seu tio lhe ensinara quando adolescente. Pedreiro tem mais liberdade, geralmente as obras não duram tempos muito longos, e ainda por cima dá pra xingar o patrão de tudo que é nome sem grandes consequências, afinal de contas, obra é o que não falta. E o Tyson é um pedreiro dos bons, daqueles que promete o que cumpre sem grandes delongas. Ele sempre fez obras esporádicas no morro e sempre foi muito elogiado por isso, mas nunca quis levar a sério, até que tomou gosto pela coisa.
Muitas casas do buraco quente têm o suor do trabalho de Tyson, mas ele mesmo sabe que viver de obra dentro do morro em que foi nascido e criado é complicado, afinal, não dá pra cobrar muito, às vezes nem dá pra cobrar, pois tem sempre aquela camaradagem, aquele churrasco, aquele tratamento especial, e isso tudo vale mais do que dinheiro, pelo menos pra ele. Mas como todo mundo precisa de grana pra sobreviver, ele precisou encarar tudo isso de forma mais profissional, e com a ajuda de seu amigo Renato, começou a fazer obras em casa de bacana, e aí sim o dinheiro começou a surgir, além de muitos outros benefícios.
Tudo isso gera uma boa segurança para Tyson, hoje ele ganha bem, não tem rotina, conseguiu até colocar seus dois filhos em uma escola particular e está trabalhando em algo que gosta. Poderia ter coisa melhor? Poderia! As esposas dos patrões.
Desde que começou a trabalhar com obra nos condomínios da Barra da Tijuca, que Tyson faz muito sucesso com as mulheres de lá. Logo nos primeiros meses ele já tinha bastante história pra contar, e quem as ouvia logo com exclusividade era o amigo Renato, que era quem sempre arrumava os clientes para ele.
- Porra, meu parceiro, essas suas vizinhas são piores do que as mulheres lá do morro.
- Como assim pior, Tyson?
- Porra, Renato, as mulheres tem um fogo do caralho, querem fazer coisas do arco da velha, tenho que vir sempre com muita disposição, porque encarar um dia de obra e depois fechar encarando essas piranhas não é pra qualquer um não, isso quando elas não querem trepar no meio da obra.
Aos risos, Renato diz: - Irmão, não sabia que estava nesse ritmo não.
- Pô, é foda, essas mulheres são tudo carente, os maridos só pensam em ganhar dinheiro, vivem na rua o dia inteiro, só falam da empresa, só pensam no trabalho e esquecem que as esposas querem trepar. Todas elas se queixam das mesmas coisas, eu acabo virando um psicólogo, um psicólogo que empurra nelas, essa é a terapia, entendeu?
- Tu é foda, meu parceiro. – diz Renato se contorcendo de rir.
- Depois que eu vim trabalhar pra essas bandas e vi que o ritmo ia ser esse, não contrato nem ajudante, pois iria me atrapalhar, tenho que abraçar tudo sozinho mesmo. Serei eternamente grato por esses contatos que você me arrumou.
- Que isso, irmão, amigo é pra essas coisas. Mas tome cuidado, hein, não quero te ver passando veneno com esses cornos querendo acertar as contas contigo.
- Fica tranquilo, no fim eles acabam gostando da obra mais do que as esposas.
Renato sempre ficava perguntado detalhes das mulheres, até porque ele conhecia a maioria delas. Os maridos, em sua maioria, também eram seus conhecidos, e ele achava muito interessante saber de todos esses podres e depois observar a falsidade dos casais perante a sociedade, todas as esposas posavam de senhoritas decentes, quando na verdade não podiam ver o instrumento de trabalho do Tyson.
Ao contrário dos amigos Emílio, Beto e Renato, Tyson não gosta de arrumar mulher na Mangueira, sua esposa Janaína conhece todo mundo do morro, e certamente ela saberia se ele arrumasse algum rabo de saia diferente, por isso mesmo ele tem medo e só arruma mulher fora do morro. E esta nova profissão caiu como uma luva, pois com seu corpo atlético moldado a muitas batidas de surdo um da Mangueira, o sujeito causa um sucesso tremendo com as mulheres dos ricassos.
A maioria das esposas fica em casa, com o canalha do Tyson fazendo obra logo no quartinho ao lado. Resultado: bola pra dentro da caçapa!
Por falar em bola pra dentro da caçapa... Tyson tem muita história pra contar a respeito dessas obras que faz por aí, quando os amigos se reúnem no AP do Emílio, ele sempre solta alguma coisa. Mas uma história em especial ele não esquece até hoje, história essa que ele intitulou justamente de “encaçapando no buraco alheio”.
Certa vez, Tyson arrumou uma obra em que o dono da casa queria transformar um cômodo vazio em uma sala de jogos. O magnata queria reformar o local e transformá-lo em um ambiente harmonioso, onde os amigos pudessem jogar uma sinuca, um carteado, beber uma boa bebida e jogar conversa fora.  
O trabalho do Tyson era dar vida a obra, que contava com gesso rebaixado, decoração diferenciada, iluminação especial, criação de um pequeno bar todo moldado em mármore; enfim, o dono queria um pedaço de Las Vegas dentro da sua casa, essa era a missão do Tyson, criar uma sala de jogos de arromba. E ele arrombou! Em todos os sentidos.
A obra deveria durar quinze dias, mas acabou durando um mês, não porque o Tyson tivesse sido mole ou atrasado algo, muito pelo contrário, a obra só se estendeu porque a esposa do dono convenceu o marido que mais coisas deveriam ser feitas na casa. E de fato essas coisas foram feitas, ô se foram.
Tudo isso tinha um único propósito: a distinta senhora queria passar mais dias desfrutando da presença do pedreiro da casa.
Quando Tyson arrumava essas obras e logo percebia que a esposa ficava em casa enquanto o marido trabalhava, ele logo imaginava como aquela história iria terminar, e dificilmente o final era diferente do que ele pensava.
Tyson nunca foi bom de lábia, o dom da palavra nunca foi o seu forte, e ele sempre soube disso, por isso mesmo ele falava pouco nesses casos, preferia usar do olhar, achava até mais envolvente, e de fato era. As mulheres ficavam excitadíssimas com o fato de aquele pedreiro sem camisa jogar um olhar fatal sempre que elas passavam, e o olhar do Tyson sempre foi aquele olhar de puto, de canalha da pior espécie. Com o olhar ele sempre conseguia dizer exatamente o que estava querendo, e era justamente isso que colocava fogo no pavio.
Nesta obra da sala de jogos, a esposa se chamava Marisa, tinha 41 anos, mas o corpo era de uma adolescente, moldado a muita academia e suplementos que ela mantinha na estante da cozinha.
O marido saía de manhã e só voltava de noite, e o único filho já morava sozinho, ou seja, ela ficava sozinha em casa, somente com a companhia dos empregados, que em nada lhe incomodavam ou a inibiam de fazer algo.
Tyson foi apresentado a Marisa pelo próprio marido dela, no primeiro dia de trabalho, e logo nesse dia eles já se olharam de uma forma comprometedora, Tyson não sabia exatamente quando iria acontecer, mas ele já tinha certeza que iria rolar algo.
Assim que o marido saiu para trabalhar ela foi conversar com ele, não disse nada demais, nada que a comprometesse, fez questão apenas de ser educada e nada mais.
No segundo dia ela ficava apenas desfilando pela casa, fazia questão de retribuir os olhares que eram dados por Tyson.
Já no terceiro dia a coisa esquentou, era um dia chuvoso, e ela apareceu na obra trajada com um micro vestido de seda, desses de dormir, com a polpa da bunda toda aparecendo. Tyson pensou: “É agora”. Mas não foi; Marisa gostava de instigar, todo aquele jogo de sedução parecia lhe excitar profundamente.
Nos dias seguintes ela fez questão de se exibir cada vez mais, e eles pouco se falavam, mas se olhavam como animais na selva prontos a se devorar. Até que certo dia ela fez questão de abordá-lo da forma mais direta possível.
- Você já sabe o que estou querendo, né? – perguntou Marisa, com a cara mais depravada possível.
- Lógico que sei. – Tyson largou o material da obra no chão e continuou. – E estou aqui pronto pra te dar.
- Hum, que bom, era isso mesmo que eu queria ouvir. Mas ainda não fiz o que quero fazer desde o primeiro momento em que lhe vi, por causa da mesa de sinuca.
- Como assim por causa da mesa de sinuca? Não entendi. – perguntou Tyson, alternando a face de tesão para a expressão de confuso.
- É que sou uma mulher de fetiches, não faço sexo por fazer, e decidi logo no primeiro dia que quero dar muito pra você, mas tem que ser em cima da mesa de sinuca, quero inaugurá-la, abrir os jogos.
- Mas só pode ser na mesa de sinuca?
- Só!
- E quando é que chega essa bendita mesa?
- Ela chega amanhã, e amanhã mesmo ela já será montada, por isso estou passando aqui pra te avisar, quero que esteja muito bem preparado e muito bem disposto amanhã.
Depois de falar isso, Marisa sequer deu tempo para que Tyson falasse algo, ela apenas deu as costas, soltou um discreto “até amanhã” e deixou o pobre pedreiro ali, louco de tesão, ansioso pelo dia de amanhã.
Neste mesmo dia, Tyson ligou logo para o amigo Renato, fez questão de dizer que iria traçar mais uma madame. Renato pediu para que o amigo contasse tudo depois do feito, e eles marcaram de tomar um gelo amanhã mesmo, logo após o ato.
            No dia D, Tyson fez questão de tomar um café da manhã reforçado, sequer tocou em sua esposa Janaína, na noite anterior - queria guardar cartucho - e desceu o morro bem animado. Deu um caloroso “bom-dia” para o amigo Xexéu do bar, e partiu rumo à missão.
            Chegando à residência ele trabalhou normalmente enquanto os montadores da mesa faziam o seu trabalho.
            Ao final de tudo, a mesa estava prontinha, assim como Marisa, que surgiu deslumbrante em uma lingerie vermelha; logo vermelho, a cor preferida de Tyson, que foi logo agarrado e jogado em cima da mesa.
            Marisa era o tipo de mulher que gostava de um sexo agressivo, foi logo estapeando Tyson, que não se fez de rogado e também partiu para os tapas e puxões. Mas ele tinha que medir a força, pois certa vez, no ápice do tesão, ele desmaiou uma mulher, e dessa cena ele nunca esquece, e por conta disso ele aprendeu a dosar a agressividade. Tyson batia na medida certa, Marisa ficou louca em cima daquela mesa, teve inúmeros orgasmos como há muito não tinha, afinal de contas, uma mulher carente sempre deseja encontrar um homem que lhe sacie na medida certa, na medida em que ela esperava, e Tyson fez muito mais do que isso.
            Os dois transaram interruptamente e alucinadamente por uma hora e alguns minutos. Marisa estava exausta de tanto prazer, estava em êxtase, até que se deu conta de que alguém poderia chegar e resolveu parar, a contragosto, mas parou. Tyson a puxava como um animal no cio, parecia até que tinha começado a transar naquele exato momento. Ela pediu para que ele voltasse para a obra e avisou que continuaria amanhã.
            Aquele foi o dia mais produtivo de Tyson, que fez o trabalho de dois dias em apenas um.
            Ao final do expediente ele foi beber com Renato, que já havia contado a novidade para os demais canalhas, que se reuniram para ouvir mais uma peripécia de Tyson, que contou absolutamente tudo, nos mínimos detalhes. Renato, Beto e Emílio riram bastante nesse dia, até porque a forma com que Tyson contava era única, e quando ele estava animado, ninguém o segurava.
            No dia seguinte, Marisa estava com um sorriso cintilante estampado na face, parecia modelo de creme dental, era notória a sua alegria, que só se renovou com mais uma trepada arrasadora em cima da mesa de sinuca.
Assim eles seguiram por longos dias, sempre em cima da mesa de sinuca. Marisa fez questão de comprar lingeries para cada dia de transa, Tyson seguiu com o  taco afiado, encaçapou diversas bolas até o término da obra.
Hoje a sala de jogos está pronta, os amigos bebem e se divertem com o belo lugar que foi criado. Marisa sempre sorri quando olha para a mesa, além de lembrar até hoje com felicidade das tacadas dadas por Tyson.
Depois dessa obra, Tyson tomou gosto pela sinuca, que antes nunca havia lhe atraído. Sua esposa Janaína não entende até hoje por qual motivo, da noite para o dia, seu marido passou a perder horas e horas do dia no bar do Xexéu, jogando sinuca e ouvindo Cartola.

Bruno Rico.

Aguarde pelos novos capítulos, pois os canalhas da Mangueira possuem muitas histórias pra contar. 

Novo projeto: Os canalhas da Mangueira - Apresentação.

Comprovando a minha versatilidade, apresento meu novo projeto, a série de contos Os canalhas da Mangueira.



APRESENTAÇÃO.  

Mangueira teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...

Quatro amigos, com personalidades e vidas diferentes, unidos por duas grandes paixões: Estação Primeira de Mangueira e mulheres, muitas mulheres!
Esse grupo de bambas é formado por Humberto (Beto), Jardel (Tyson), Emílio e Renato.
Um negro e um branco do morro; um negro e um branco do asfalto. Essa é a família.
Beto e Tyson são nascidos e criados no próprio morro da Mangueira, e lá residem até hoje. Já Emílio e Renato são cria do asfalto. Emílio mora na Rua do Riachuelo na Lapa, berço da grande boemia carioca; enquanto Renato é o mauricinho do grupo, é cria de condomínio e hoje mora na Barra da Tijuca.
Mas apesar das diferenças, todos se entendem muito bem e formam uma grande irmandade.
Toda essa união começou através da bateria da verde e rosa. Beto e Tyson já eram amigos de longa data, se conheceram ainda pequenos, na Mangueira do amanhã, e já adolescentes passaram a representar a Estação Primeira na avenida, e lá estão até hoje. Beto é um dos diretores da bateria, enquanto Tyson é peça fundamental no surdo um.
Mais tarde vieram Emílio e Renato, respectivamente. Emílio sempre foi mangueirense e realizou um sonho quando conseguiu tocar tamborim pela bateria da sua escola. Já Renato veio com outros propósitos, na época que entrou era estudante de música e trabalhava em um projeto para a faculdade; passado um ano, depois do projeto realizado, ele não conseguiu mais sair da bateria, a paixão falou mais alto e lá se vão onze anos desde o primeiro ronco na cuíca. E por falar em cuíca, apesar de ainda ser o seu instrumento preferido, Renato hoje não toca mais ela, depois de passar por tamborim e caixa, agora ele sossegou no repique. A respeito da cuíca ele fala: “É bom de tocar, mas dá muito trabalho, parece até mulher.”
E por falar em mulher...
Eis o principal motivo de tantas histórias, tantas aventuras, tantos risos e tantos choros. Esses sujeitos já aprontaram muito nessa vida por causa de rabo de saia!
Beto, Tyson, Emílio e Renato, podem divergir em diversas coisas nessa vida, mas em uma coisa eles concordam plenamente: todos conseguem amar várias mulheres ao mesmo tempo, e amar de verdade! A respeito disso, o poeta Renato diz o seguinte: “É melhor estar com várias e amar cada uma com a intensidade devida, do que estar apenas com uma e fazer com que ela sinta falta de algo.” Todos os demais concordam plenamente com isto, ou melhor, todos possuem isto como filosofia de vida. Coisa de canalha? Sim, coisa de canalha da Mangueira.
Depois de sobreviver a uma facada na barriga, dada por um marido corno que pegou sua mulher com a boca na botija em plena Marquês de Sapucaí, Beto disse ainda no hospital: “Amigos, a nossa história daria um livro ou um filme, essa porra não pode passar batido.”
E assim nasceu a série de contos Os canalhas da Mangueira.


Os canalhas da Mangueira.
Capítulo 1 – A mulher do campeão.
Este conto possui pitadas – senão o saleiro todo – de machismo, sexo, samba e amizade.

Mangueira teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...

Mais um dia de samba na quadra da verde e rosa. A noite está bonita e o Palácio do samba está lotado.
Tyson já está afinando seu surdo; Renato já está com seu talabarte personalizado na mão, enquanto seu repique repousa no chão. Emílio também está ansioso, chega ta com a mão coçando pra maltratar o couro do seu tamborim.
Beto analisa tudo atentamente, diretor precisa estar atento a tudo, tem ritmista que é folgado, só toca quando quer, ainda mais hoje que é final de disputa de samba. A bateria está dividia entre três sambas, e cada um puxa a sardinha pro seu lado, e com Beto não será diferente.
Beto e seus amigos estão apoiando o samba do Almir bombeiro, compositor antigo da Mangueira, mas que nunca ganhou nada. Só que esse ano ele veio forte, meteu um samba bom, colou com apoios fortes, fechou com polícia, fechou com bandido, até o Renato entrou com dinheiro, e os canalhas prometeram tocar como se estivessem passando em frente aos jurados na avenida, na hora que esse samba começar.
Cada um apóia o samba por um motivo. Tyson acha que é o melhor samba, Renato entrou com uma grana por trás dos panos, e irá lucrar se o samba vencer, Emílio está apoiando, pois é amigo de um dos compositores, e Beto está na torcida do samba pelo simples fato de estar comendo a esposa do Almir bombeiro, ele diz que corno feliz dá menos trabalho.
- E aí Beto, já viu o Almir cornão por aí? – pergunta o sarcástico Tyson.
- Porra, negão, não vi não, mas a piranha da Beth está bem ali no camarote, olhando toda hora pra minha cara.
- Essa mina é sinistra, né, o que ela tem de gostosa ela tem de cínica.
- Nem fala Tyson, e o olhar dela é foda, mexe comigo, me desconcentra, e isso não pode acontecer, mas parece que quanto mais a mulher é piranha mais ela mexe comigo.
- Porra, Beto, tu vem falar isso logo pra mim? – Tyson solta uma sonora gargalhada – Tu gosta de perigo, meu parceiro, tu é daqueles que sobe em cima da moto e pilota sem capacete a duzentos por hora em plena Avenida Brasil, adrenalina é contigo mesmo, um dia tu ainda morre dessa porra.
- Olha quem fala, né, Tyson. Mas não posso dar mole não, minha mulher ta sempre na cola, ela ta bem aqui do lado e também não tira o olho de mim, e o pior que as duas são amigas ainda.
- É, a Lucinha é sinistra também, mas mulher tem dessas paradas, né, acaba simpatizando com a mulher que a gente come.
- Sócios precisam caminhar juntos, meu parceiro, senão a firma não anda.
Almir bombeiro era um quebrador nato, já havia mandado dois pra vala por conta da esposa Beth, e todos na Mangueira sabiam disso, inclusive o Beto, mas ele parecia não se importar, pelo contrário, essa sensação de perigo o instigava mais ainda.
Emílio era o mais preocupado, ele sempre foi o mais centrado do grupo, sempre foi o cara de puxar o freio quando a rapaziada estava mais pra frente que o futuro, e algo o preocupava muito naquela noite.
- Passa a visão meu parceiro, ta com cara de preocupado, que ta pegando?
- Porra, Tyson, to preocupado com o Beto, a Beth não para de olhar pra ele, a Lucinha também ta olhando pra ele direto, e daqui a pouco o Almir chega aí, a quadra vai ficar pequena, essa porra vai dar merda.
- Fica tranquilo, meu parceiro, estava trocando uma ideia com o Beto agora e ele já está ligado que o campo está minado, mas tu sabe como ele é, gosta de perigo.
- Eu sei irmão, mas tu lembra que a piranha da Beth falou pra ele que se o samba do marido dela ganhar, ela vai comemorar dando pro Beto aqui dentro da quadra, dentro de uma dessas salas aí. Tu acha que essa parada vai dar bom?
- É perigoso, mas não vai dar ruim não, o Beto já fez coisa pior. Qualquer coisa a gente dá cobertura, tu sabe que pra quebrar um vai ter que quebrar os quatro, né?
- Tô ligado.
- Então, meu mano, fica tranquilo, relaxa, hoje a noite é especial, cheio de mulher na quadra, o bagulho ta florido. Por falar nisso, na hora do intervalo dos sambas vou ali dar um cheiro na minha preta.
Tyson é o mais ciumento do grupo, não pode ver ninguém olhando pra sua esposa Janaína, que já fica puto e quer partir pra briga. Só que é complicado controlar os olhares dos marmanjos, Janaína é uma das principais passistas da escola, é uma preta de 1,80 de altura, curvas perigosas, sorriso encantador, cabelo esvoaçante e um gingado diferenciado. Todos esses atributos já deram muita dor de cabeça pra ele, que não tem dedos pra contar quantas foram as vezes que seus parceiros lhe seguraram para que ele não entrasse em uma briga.
Tyson é um cara que intimida, um negão com porte de estivador, cara de poucos amigos e instinto explosivo, como não é muito bom no diálogo, tem o punho como arma e sempre usou disso desde criança. Apesar do apelido e do estilo briguento, Jardel não ganhou seu apelido dentro do ringue, ganhou no morro mesmo, ainda bem jovem, quando em uma briga com um vizinho, mordeu a orelha do sujeito e cuspiu um pedaço no chão, daquele dia em diante ninguém mais lembra que seu nome é Jardel, e ao contrário da maioria das pessoas que tem apelido, ele gosta muito do seu, diz que impõe respeito, as pessoas acham que ele é mestre de boxe.
Depois de algumas Brahmas, Beto começa a se organizar para começar os trabalhos, hoje ele irá comandar a bateria durante a maior parte do tempo, o mestre Birão só assumirá a batuta na hora de tocar o samba campeão.
A final de hoje conta com quatro sambas, e o do Almir bombeiro será o terceiro.
Depois de tocar os dois primeiros sambas, é chegada a hora do intervalo. Tyson bebe duas garrafas d’água em sequência, para repor os líquidos, pois pra tocar o surdão do jeito que ele toca tem que ter disposição e estar muito bem hidratado. Enquanto isso Janaína samba brilhantemente na quadra, vigiada pelos olhares atentos do marido, que resolve ficar conversando com os amigos.
- Deixa ela lá Tyson, é o momento dela, depois tu fala com a tua mulher, vamos tomar um gelo. – diz Renato.
Todas as esposas dos canalhas estão na quadra hoje, com exceção da anti-social Silvia, esposa do Renato, que não gosta de samba e não faz a mínina questão de pisar na Mangueira. Melhor para ele.
Emílio é o único solteiro do grupo, a boemia da Lapa não lhe permite casar, é inviável. E ele está bem assim. E por falar em Lapa, o apartamento do Emílio é o quartel general do grupo, afinal, ele é o único solteiro, mora sozinho e a galera do morro não tem grana pra ficar gastando em motel toda hora, aí já viu, né, sobra pro Emílio, que até recebe uma ajuda de custo dos amigos, por causa disso.
 Apesar de solteiro, Emílio está com duas mulheres na quadra hoje, uma ele já esperava que fosse vir, a outra não, e por isso ele está se esquivando, pois quer evitar ao máximo que uma veja a outra, pra não sair faísca e a situação ficar ruim pra ele.
- E a mulherada Emílio, vai falar com elas não? – pergunta Renato.
- Tá maculo? Sem chance. Uma não sabe da outra, não posso dar esse mole de falar com uma e não falar com a outra, tenho que ficar no sapatinho.
- Sei como é, hoje eu to tranquilo, a Diana ta trabalhando, e eu to gostando da mina, hoje vou ficar de boa.
- Tá apaixonado, meu parceiro? – pergunta Emílio, com um olhar de surpresa.
- Você sabe que me apaixono por todas as mulheres que saio, sem paixão não se faz nada nessa vida, e eu to apaixonado mesmo, aquela mina fode como se o dia fosse acabar amanhã, isso me enlouquece.
Diana, a mulher de que falavam, é uma policial que Renato conheceu há dois meses na quadra da Mangueira. Os amigos brincavam dizendo que era bom ele se comportar com ela, e na dúvida era bom dormir de colete, pois a mina era dedo nervoso, já havia atirado até no ex-marido.
Todos os canalhas gostavam de mulheres com personalidade forte, isso os fascinava, mas apesar de todos gostarem desse estilo, uma coisa sempre ficou bem clara em todos esses anos de amizade: ninguém nunca ficava com a mulher que o outro já havia ficado. Isso é um lema, e apesar de algumas paixonites avulsas pelas mesmas mulheres, esse lema sempre foi respeitado até hoje, é um marco da amizade entre os quatro, e eles se orgulhavam muito disso, pois até um bom canalha preza por sua ética.
Ah, mas havia uma ressalva nessa cláusula. Eles não podiam se relacionar separadamente da mesma mulher, mas se essa mulher topasse se relacionar com eles ao mesmo tempo, no mesmo lugar, na famosa surubinha, aí eram outros quinhentos. O apartamento de Emílio que o diga.
É chegada a hora do samba do Almir bombeiro, a rapaziada se prepara pra tocar com mais afinco do que antes.
Ao final de tudo, o samba causa um grande alvoroço na quadra e alguns chegam a gritar o famoso “é campeão”.
Os canalhas não conseguem esconder a animação, tanto é que tocaram o samba seguinte como se estivessem doentes, Tyson chegou até a errar a marcação de propósito.
Depois de todos os sambas tocados, agora é a hora da verdade. Os canalhas estão reunidos para ouvir o resultado, Almir bombeiro segura a esposa com a mão direita, enquanto na esquerda agarra uma medalhinha de Santa Bárbara, a padroeira dos bombeiros.
Missão cumprida com êxito! Os canalhas comemoram, o samba do Almir foi campeão. Tyson joga cerveja pro alto, Renato sorri orgulhoso, Emílio abraça Beto que só consegue lembrar na promessa feita pela Beth.
Com o dia já clareando, Almir bombeiro ainda comemora, e como Beto imaginava, o cornão campeão nem dá falta da mulher, que transa alucinadamente com ele em um salinha escondida na quadra.
Renato, Tyson e Emílio, permanecem na quadra, estão preparados caso algo de errado. Mas o santo dos canalhas é forte, e mais uma vez tudo sai perfeitamente bem. Mais um Estandarte de Ouro para eles.
Beth surge na quadra com um sorriso de orelha a orelha, não conseguiu disfarçar a satisfação, afinal de contas, o samba do seu marido era o campeão. Mais tarde aparece Beto, com cara de sério e cansado, pra disfarçar.
Depois de ver que estava tudo bem, os canalhas partiram para suas casas.
Tyson finalmente pegou sua passista nos braços. Emílio saiu de fininho sem que suas mulheres percebessem que ele estava no pinote, melhor dormir sozinho e inventar uma desculpa depois, do que correr o risco de perder as duas e ainda tomar umas porradas. Renato foi embora pensando em sua policial Diana. E Beto subiu o morro abraçado com sua esposa. O pôr do sol segue ao fundo do morro, mostrando que um belo dia está por vir.

Bruno Rico.


Aguarde pelos novos capítulos, pois os canalhas da Mangueira possuem muitas histórias pra contar. 

Salvo pela matriarca.



Cadê o pai?
Não tem.
Cadê o abraço?
Não vem.
Cadê o conselho?
Ele não deu.
Cadê a referência do homem?
Se perdeu.

Assim fundiu-se o desespero
criado pelo algoz
que me gerou,
mas não me criou,
pelo contrário,
abortou-me no mundo.
A sorte é que o meu mundo
se fez nos braços dela,
a guerreira da aquarela incolor,
aquela matriarca
que acolheu o que sobrou.
Sobrou dos sentimentos dele.
Não! Não existem sentimentos,
retire o que disse,
que nem ele me retirou do seu rumo.
Mas tranquilize-se,
pois por mais que tentassem,
ninguém me tirou o prumo.

Certo dia acordei
no meio do pesadelo da vida:
gritei, esmurrei o ar,
fiz minha alma se desbotar,
meu coração gelar,
tentava me salvar,
mas me afogava na
angústia de não me acostumar.

Mas novamente ela veio para me resgatar,
me valorizar, me mimar,
me fazer entender que homem
de verdade não destrói um lar.

E hoje eu reflito apenas o brilho
do espelho da pessoa
que só nasceu para me amar.
Se não fosse ela,
eu não iria me salvar.

Bruno Rico.


“Daria um filme... Uma negra e uma criança nos braços, solitária na floresta de concreto e aço, veja, olha outra vez o rosto na multidão, a multidão é um monstro sem rosto e coração...
...Família brasileira, dois contra o mundo, mãe solteira de um promissor vagabundo. Luz, câmera e ação, gravando, a cena vai, o bastardo, mais um filho pardo sem pai.”


Essa vai para a mulher que me fez ser um homem de verdade, hoje tudo é por ela!