Comprovando
a minha versatilidade, apresento meu novo projeto, a série de contos Os
canalhas da Mangueira.
APRESENTAÇÃO.
Mangueira
teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...
Quatro
amigos, com personalidades e vidas diferentes, unidos por duas grandes paixões:
Estação Primeira de Mangueira e mulheres, muitas mulheres!
Esse
grupo de bambas é formado por Humberto (Beto), Jardel (Tyson), Emílio e Renato.
Um
negro e um branco do morro; um negro e um branco do asfalto. Essa é a família.
Beto
e Tyson são nascidos e criados no próprio morro da Mangueira, e lá residem até
hoje. Já Emílio e Renato são cria do asfalto. Emílio mora na Rua do Riachuelo
na Lapa, berço da grande boemia carioca; enquanto Renato é o mauricinho do
grupo, é cria de condomínio e hoje mora na Barra da Tijuca.
Mas
apesar das diferenças, todos se entendem muito bem e formam uma grande
irmandade.
Toda
essa união começou através da bateria da verde e rosa. Beto e Tyson já eram amigos
de longa data, se conheceram ainda pequenos, na Mangueira do amanhã, e já
adolescentes passaram a representar a Estação Primeira na avenida, e lá estão
até hoje. Beto é um dos diretores da bateria, enquanto Tyson é peça fundamental
no surdo um.
Mais
tarde vieram Emílio e Renato, respectivamente. Emílio sempre foi mangueirense e
realizou um sonho quando conseguiu tocar tamborim pela bateria da sua escola.
Já Renato veio com outros propósitos, na época que entrou era estudante de
música e trabalhava em um projeto para a faculdade; passado um ano, depois do
projeto realizado, ele não conseguiu mais sair da bateria, a paixão falou mais
alto e lá se vão onze anos desde o primeiro ronco na cuíca. E por falar em
cuíca, apesar de ainda ser o seu instrumento preferido, Renato hoje não toca
mais ela, depois de passar por tamborim e caixa, agora ele sossegou no repique.
A respeito da cuíca ele fala: “É bom de tocar, mas dá muito trabalho, parece
até mulher.”
E
por falar em mulher...
Eis
o principal motivo de tantas histórias, tantas aventuras, tantos risos e tantos
choros. Esses sujeitos já aprontaram muito nessa vida por causa de rabo de saia!
Beto,
Tyson, Emílio e Renato, podem divergir em diversas coisas nessa vida, mas em
uma coisa eles concordam plenamente: todos conseguem amar várias mulheres ao
mesmo tempo, e amar de verdade! A respeito disso, o poeta Renato diz o
seguinte: “É melhor estar com várias e amar cada uma com a intensidade devida,
do que estar apenas com uma e fazer com que ela sinta falta de algo.” Todos os
demais concordam plenamente com isto, ou melhor, todos possuem isto como
filosofia de vida. Coisa de canalha? Sim, coisa de canalha da Mangueira.
Depois
de sobreviver a uma facada na barriga, dada por um marido corno que pegou sua
mulher com a boca na botija em plena Marquês de Sapucaí, Beto disse ainda no
hospital: “Amigos, a nossa história daria um livro ou um filme, essa porra não
pode passar batido.”
E
assim nasceu a série de contos Os
canalhas da Mangueira.
Os canalhas da Mangueira.
Capítulo 1 – A mulher do
campeão.
Este conto possui
pitadas – senão o saleiro todo – de machismo, sexo, samba e amizade.
Mangueira
teu cenário é uma beleza, que a natureza criou...
Mais um dia de samba na quadra da
verde e rosa. A noite está bonita e o Palácio do samba está lotado.
Tyson já está afinando seu surdo;
Renato já está com seu talabarte personalizado na mão, enquanto seu repique
repousa no chão. Emílio também está ansioso, chega ta com a mão coçando pra
maltratar o couro do seu tamborim.
Beto analisa tudo atentamente, diretor
precisa estar atento a tudo, tem ritmista que é folgado, só toca quando quer,
ainda mais hoje que é final de disputa de samba. A bateria está dividia entre
três sambas, e cada um puxa a sardinha pro seu lado, e com Beto não será
diferente.
Beto e seus amigos estão apoiando o
samba do Almir bombeiro, compositor antigo da Mangueira, mas que nunca ganhou
nada. Só que esse ano ele veio forte, meteu um samba bom, colou com apoios
fortes, fechou com polícia, fechou com bandido, até o Renato entrou com
dinheiro, e os canalhas prometeram tocar como se estivessem passando em frente
aos jurados na avenida, na hora que esse samba começar.
Cada um apóia o samba por um motivo.
Tyson acha que é o melhor samba, Renato entrou com uma grana por trás dos
panos, e irá lucrar se o samba vencer, Emílio está apoiando, pois é amigo de um
dos compositores, e Beto está na torcida do samba pelo simples fato de estar
comendo a esposa do Almir bombeiro, ele diz que corno feliz dá menos trabalho.
- E aí Beto, já viu o Almir cornão por
aí? – pergunta o sarcástico Tyson.
- Porra, negão, não vi não, mas a
piranha da Beth está bem ali no camarote, olhando toda hora pra minha cara.
- Essa mina é sinistra, né, o que ela
tem de gostosa ela tem de cínica.
- Nem fala Tyson, e o olhar dela é
foda, mexe comigo, me desconcentra, e isso não pode acontecer, mas parece que quanto
mais a mulher é piranha mais ela mexe comigo.
- Porra, Beto, tu vem falar isso logo
pra mim? – Tyson solta uma sonora gargalhada – Tu gosta de perigo, meu
parceiro, tu é daqueles que sobe em cima da moto e pilota sem capacete a
duzentos por hora em plena Avenida Brasil, adrenalina é contigo mesmo, um dia
tu ainda morre dessa porra.
- Olha quem fala, né, Tyson. Mas não
posso dar mole não, minha mulher ta sempre na cola, ela ta bem aqui do lado e
também não tira o olho de mim, e o pior que as duas são amigas ainda.
- É, a Lucinha é sinistra também, mas
mulher tem dessas paradas, né, acaba simpatizando com a mulher que a gente
come.
- Sócios precisam caminhar juntos, meu
parceiro, senão a firma não anda.
Almir bombeiro era um quebrador nato,
já havia mandado dois pra vala por conta da esposa Beth, e todos na Mangueira
sabiam disso, inclusive o Beto, mas ele parecia não se importar, pelo
contrário, essa sensação de perigo o instigava mais ainda.
Emílio era o mais preocupado, ele
sempre foi o mais centrado do grupo, sempre foi o cara de puxar o freio quando
a rapaziada estava mais pra frente que o futuro, e algo o preocupava muito
naquela noite.
- Passa a visão meu parceiro, ta com
cara de preocupado, que ta pegando?
- Porra, Tyson, to preocupado com o
Beto, a Beth não para de olhar pra ele, a Lucinha também ta olhando pra ele
direto, e daqui a pouco o Almir chega aí, a quadra vai ficar pequena, essa
porra vai dar merda.
- Fica tranquilo, meu parceiro, estava
trocando uma ideia com o Beto agora e ele já está ligado que o campo está
minado, mas tu sabe como ele é, gosta de perigo.
- Eu sei irmão, mas tu lembra que a
piranha da Beth falou pra ele que se o samba do marido dela ganhar, ela vai
comemorar dando pro Beto aqui dentro da quadra, dentro de uma dessas salas aí. Tu
acha que essa parada vai dar bom?
- É perigoso, mas não vai dar ruim
não, o Beto já fez coisa pior. Qualquer coisa a gente dá cobertura, tu sabe que
pra quebrar um vai ter que quebrar os quatro, né?
- Tô ligado.
- Então, meu mano, fica tranquilo,
relaxa, hoje a noite é especial, cheio de mulher na quadra, o bagulho ta florido.
Por falar nisso, na hora do intervalo dos sambas vou ali dar um cheiro na minha
preta.
Tyson é o mais ciumento do grupo, não
pode ver ninguém olhando pra sua esposa Janaína, que já fica puto e quer partir
pra briga. Só que é complicado controlar os olhares dos marmanjos, Janaína é uma
das principais passistas da escola, é uma preta de 1,80 de altura, curvas
perigosas, sorriso encantador, cabelo esvoaçante e um gingado diferenciado.
Todos esses atributos já deram muita dor de cabeça pra ele, que não tem dedos
pra contar quantas foram as vezes que seus parceiros lhe seguraram para que ele
não entrasse em uma briga.
Tyson é um cara que intimida, um negão
com porte de estivador, cara de poucos amigos e instinto explosivo, como não é
muito bom no diálogo, tem o punho como arma e sempre usou disso desde criança.
Apesar do apelido e do estilo briguento, Jardel não ganhou seu apelido dentro
do ringue, ganhou no morro mesmo, ainda bem jovem, quando em uma briga com um
vizinho, mordeu a orelha do sujeito e cuspiu um pedaço no chão, daquele dia em
diante ninguém mais lembra que seu nome é Jardel, e ao contrário da maioria das
pessoas que tem apelido, ele gosta muito do seu, diz que impõe respeito, as
pessoas acham que ele é mestre de boxe.
Depois de algumas Brahmas, Beto começa
a se organizar para começar os trabalhos, hoje ele irá comandar a bateria durante
a maior parte do tempo, o mestre Birão só assumirá a batuta na hora de tocar o
samba campeão.
A final de hoje conta com quatro
sambas, e o do Almir bombeiro será o terceiro.
Depois de tocar os dois primeiros
sambas, é chegada a hora do intervalo. Tyson bebe duas garrafas d’água em
sequência, para repor os líquidos, pois pra tocar o surdão do jeito que ele
toca tem que ter disposição e estar muito bem hidratado. Enquanto isso Janaína
samba brilhantemente na quadra, vigiada pelos olhares atentos do marido, que
resolve ficar conversando com os amigos.
- Deixa ela lá Tyson, é o momento
dela, depois tu fala com a tua mulher, vamos tomar um gelo. – diz Renato.
Todas as esposas dos canalhas estão na
quadra hoje, com exceção da anti-social Silvia, esposa do Renato, que não gosta
de samba e não faz a mínina questão de pisar na Mangueira. Melhor para ele.
Emílio é o único solteiro do grupo, a
boemia da Lapa não lhe permite casar, é inviável. E ele está bem assim. E por
falar em Lapa, o apartamento do Emílio é o quartel general do grupo, afinal,
ele é o único solteiro, mora sozinho e a galera do morro não tem grana pra
ficar gastando em motel toda hora, aí já viu, né, sobra pro Emílio, que até
recebe uma ajuda de custo dos amigos, por causa disso.
Apesar de solteiro, Emílio está com duas
mulheres na quadra hoje, uma ele já esperava que fosse vir, a outra não, e por
isso ele está se esquivando, pois quer evitar ao máximo que uma veja a outra,
pra não sair faísca e a situação ficar ruim pra ele.
- E a mulherada Emílio, vai falar com
elas não? – pergunta Renato.
- Tá maculo? Sem chance. Uma não sabe
da outra, não posso dar esse mole de falar com uma e não falar com a outra,
tenho que ficar no sapatinho.
- Sei como é, hoje eu to tranquilo, a
Diana ta trabalhando, e eu to gostando da mina, hoje vou ficar de boa.
- Tá apaixonado, meu parceiro? –
pergunta Emílio, com um olhar de surpresa.
- Você sabe que me apaixono por todas
as mulheres que saio, sem paixão não se faz nada nessa vida, e eu to apaixonado
mesmo, aquela mina fode como se o dia fosse acabar amanhã, isso me enlouquece.
Diana, a mulher de que falavam, é uma
policial que Renato conheceu há dois meses na quadra da Mangueira. Os
amigos brincavam dizendo que era bom ele se comportar com ela, e na dúvida era
bom dormir de colete, pois a mina era dedo nervoso, já havia atirado até no
ex-marido.
Todos os canalhas gostavam de mulheres
com personalidade forte, isso os fascinava, mas apesar de todos gostarem desse
estilo, uma coisa sempre ficou bem clara em todos esses anos de amizade:
ninguém nunca ficava com a mulher que o outro já havia ficado. Isso é um lema,
e apesar de algumas paixonites avulsas pelas mesmas mulheres, esse lema sempre
foi respeitado até hoje, é um marco da amizade entre os quatro, e eles se
orgulhavam muito disso, pois até um bom canalha preza por sua ética.
Ah, mas havia uma ressalva nessa
cláusula. Eles não podiam se relacionar separadamente da mesma mulher, mas se
essa mulher topasse se relacionar com eles ao mesmo tempo, no mesmo lugar, na
famosa surubinha, aí eram outros quinhentos. O apartamento de Emílio que o
diga.
É chegada a hora do samba do Almir
bombeiro, a rapaziada se prepara pra tocar com mais afinco do que antes.
Ao final de tudo, o samba causa um
grande alvoroço na quadra e alguns chegam a gritar o famoso “é campeão”.
Os canalhas não conseguem esconder a
animação, tanto é que tocaram o samba seguinte como se estivessem doentes,
Tyson chegou até a errar a marcação de propósito.
Depois de todos os sambas tocados, agora
é a hora da verdade. Os canalhas estão reunidos para ouvir o resultado, Almir
bombeiro segura a esposa com a mão direita, enquanto na esquerda agarra uma medalhinha
de Santa Bárbara, a padroeira dos bombeiros.
Missão cumprida com êxito! Os canalhas
comemoram, o samba do Almir foi campeão. Tyson joga cerveja pro alto, Renato
sorri orgulhoso, Emílio abraça Beto que só consegue lembrar na promessa feita
pela Beth.
Com o dia já clareando, Almir bombeiro
ainda comemora, e como Beto imaginava, o cornão campeão nem dá falta da mulher,
que transa alucinadamente com ele em um salinha escondida na quadra.
Renato, Tyson e Emílio, permanecem na
quadra, estão preparados caso algo de errado. Mas o santo dos canalhas é forte,
e mais uma vez tudo sai perfeitamente bem. Mais um Estandarte de Ouro para eles.
Beth surge na quadra com um sorriso de
orelha a orelha, não conseguiu disfarçar a satisfação, afinal de contas, o
samba do seu marido era o campeão. Mais tarde aparece Beto, com cara de sério e
cansado, pra disfarçar.
Depois de ver que estava tudo bem, os
canalhas partiram para suas casas.
Tyson finalmente pegou sua passista
nos braços. Emílio saiu de fininho sem que suas mulheres percebessem que ele estava
no pinote, melhor dormir sozinho e inventar uma desculpa depois, do que correr
o risco de perder as duas e ainda tomar umas porradas. Renato foi embora
pensando em sua policial Diana. E Beto subiu o morro abraçado com sua esposa. O
pôr do sol segue ao fundo do morro, mostrando que um belo dia está por vir.
Bruno Rico.
Aguarde pelos novos capítulos, pois os
canalhas da Mangueira possuem muitas histórias pra contar.
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