O poeta e a meretriz.



Como de costume, todas às terças-feiras, às duas horas da manhã, Antenor sobe as escadarias do casebre da Lapa. Ele se ajeita, checa para ver se não está fedendo a bebida, bate a porta, e diz o código:
            - Dê-me o corpo que lhe dou o verso.
Do outro lado uma voz doce responde:
- Dê-me o verso que lhe darei o corpo.
A porta se abre, e lá está Clarinha, uma das meretrizes mais cobiçadas do Rio de Janeiro. Vestindo uma peça de renda amarela, ela sustenta uma piteira em sua mão esquerda, enquanto a direita se agiganta para abraçar Antenor.
- E aí meu poetinha, que saudade dos seus versos, e desse corpo que transborda paixão.
- Ô Clarinha, pense na proposta que te fiz e deixe-me vê-la pelo menos duas vezes na semana, só uma vez eu fico numa inquietação danada pra chegar a bendita dessa terça-feira.
- Se acalme meu poetinha, você sabe que não dá, você é único cliente que não paga em espécie, e a minha agenda é cheia, eu não vivo de poesia não viu, tenho meus perfumes pra comprar, minhas vestes, minha comida, tem meu aluguel, se eu vivesse de poesia já estava casada contigo faz tempo.
- Tá certo, um dia eu ainda consigo dá a vida que tu queres, estou jogando no bicho todos os dias, assim que ganhar a minha bolada eu venho te buscar.
- Deixa de conversa fiada e dê o meu verso vá, e esteja inspirado, pois quando você está inspirando o meu corpo corresponde melhor, você sabe disso.
- É pra já!
Antenor ajoelha-se, segura na mão direita de Clarinha e começa a declamar:
“ Ó minha Clarinha, de pele tão moreninha.
Se um dia faltar-me o pão,
Me alimentarei do doce da sua boca;
Pois quando a vejo não me falta nada,
Sequer sinto fome, sequer sinto sede,
Só sinto o desejo de possuí-la em meus braços
Para sentir-me somente minha,
Mesmo que por alguns instantes.
Instantes esses que perduram dias dentro de mim,
Pois o fogo que acendes dentro do meu peito nunca se apaga,
Nem que eu me banhe nas águas de Iemanjá.
É um calor eterno e terno.
Pois nos seus seios eu me acalmo,
Minha paz ganha vida,
Minha vida ganha sentido,
E o sentido do meu coração ainda bater
É o fato de saber que todas as terças-feiras
Eu vou lhe ver.”

- Que lindo Antenor, você sempre me surpreende, e a cada dia que passa os seus versos estão melhores, quanta inspiração. – diz Clarinha, com os olhos marejados.
- Minha inspiração é você, minha flor, sempre foi e sempre será.
- É por isso que eu sempre digo que se eu vivesse só de poesia já estava casada contigo, porque com essa lábia que tu tem, até eu que sou calejada me deixo levar.
-Pois então, deixe-se levar, e venha viver nas ondas do meu amor.
- Xiiiiiii, o meu poetinha ta mesmo inspirado hoje hein. Agora vem, venha para que eu possa retribuir toda essa inspiração.
Depois de se deitar e deleitar de alguns minutos com sua musa inspiradora, Antenor, desce as escadas do casebre, e parte rumo a um bar – serve o primeiro que ele encontrar aberto.
O poetinha caminha cabisbaixo pelas ruas da Lapa, sua face exterioriza um misto de satisfação e tristeza, até que finalmente ele encontra um recinto aberto.
Neste bar ele bebe quase até clarear, pois quando os primeiros raios de sol ameaçam ganhar vida, ele pede uma caneta e um papel para o garçom, e começa a escrever como se estivesse psicografando algo.
Ao terminar ele devolve a caneta, e o garçom mais do que curioso pergunta:
- Meu amigo, que mal lhe pergunte, o que foi que você escreveu tão rápido nessas linhas aí?
- Poesia, meu caro garçom, poesia!
- Então você é daqueles que bebe para se inspirar, né?
- Pior, meu caro, pior, eu só consigo escrever quando estou possuído pela bebida, ou seja, não sou poeta, o álcool é que me faz ser, mas fale baixo, pois esta poesia é para uma pessoa muito especial e ela pode ouvir.
Ao sair do bar, trocando mais as pernas que as palavras, Antenor grita no amanhecer de uma Lapa silenciosa:
- Ahhhhhh! Minha Clarinha, eu bebo por ti, só assim sou poeta, e se nem assim me queres, imagina se eu parar de beber, eu te amo mais do que a mim mesmo, afinal de contas, eu não sou nada, nem o que achas que sou.
E por fim, o grito derradeiro, antes de deitar-se nas pedras portuguesas de uma rua suja e imunda:
- Eu sou uma farça!
E lá o poetinha dormiu, e ficou até ser enxotado como um mendigo.
Ao acordar ele se julgava morto, pois estava fedido, sujo, machucado – por dentro e por fora – e o pior, haviam lhe roubado os versos do último porre, e por conta disso ele teria que beber de novo para que na próxima terça-feira ele tivesse algo a declamar.

Bruno Rico.

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